Eles eram especiais

Eles eram especiais

Tenho em minha vida algumas paixões, uma delas é dar aulas em cursos de Pós-Graduação.

Já se vão muitos anos em contato com alunos e, assim, são muitas as histórias vividas diante de uma classe de MBA.

Houve uma turma, com 42 alunos, cuja disciplina que ministrei tinha foco na gestão de crises, pessoas e mudanças. Foram 24 horas de discussões com direito a polêmicas, debates e muita divergência de opiniões.

Desde o primeiro momento percebi que essa turma era diferenciada. Com uma média de idade de 26 anos era composta majoritariamente por supervisores e gerentes de várias áreas. Tinham formações distintas e muita vontade de se posicionar.

Inserir os temas e mediar os debates foi para mim um aprendizado importante. Conheci detalhes da teoria exposta sob outra ótica, mas também observei comportamentos interessantes quando colocados sob a égide da vida.

As discussões foram acaloradas, mas organizadas o que me permitiu perceber os alunos.

Não havia entre eles problemas com conteúdo, todos conheciam a teoria, haviam vivido o suficiente para observarem o que discutíamos de forma macro em suas organizações. O problema estava na postura. Havia, em alguns de forma evidente em outros de forma mais velada, uma dificuldade em lidar com críticas, transparecendo um certo narcisismo e uma autoconfiança, a meu ver, exagerada.

Todos achavam que podiam muito. Necessitavam sistematicamente de um elogio e após uma opinião me olhavam a espera deste que sistematicamente era negado.

Pensei então em um artigo polêmico que havia lido há tempos o qual tratava do tema autoestima. Neste artigo o professor David McCullough Jr do Wellesley High School, em Massachusetts afirmava aos alunos, “vocês não são especiais”, “vocês são mimados, são beijados, seus gols comemorados, são aconselhados…”, “assistimos a seus jogos, a suas apresentações… e aplaudimos…”, construíram a ideia errada de que são especiais, mas na verdade não são…”. “Vocês não são especiais”.

Muitos alunos cresceram ouvindo de seus pais e professores que tudo o que fizeram era especial e desenvolveram uma autoestima tão exagerada que não conseguem lidar com eventuais frustrações presentes no mundo real.

Esse artigo não julga os alunos, mas os alerta de que saindo da sala de aula todos estarão próximos de uma mesma linha perante o mundo profissional.

Minhas intervenções nos debates foram, em sua maioria, para evitar o choque de egos pois, ainda que educadamente, estavam polarizando as discussões.

Na metade do curso já havia se tornado difícil a minha exposição de temas e isso decorria dos muitos questionamentos presentes, nem sempre relevantes. Esses fatos me levaram à interrupção no conteúdo previsto e a implementar uma correção de rota.

Faltando, naquele dia, duas horas para o encerramento da aula, mudei radicalmente o tema de discussão.

Quase quarenta alunos se sentaram nas cadeiras dispostas em um grande círculo. Iniciei nossa conversa solicitando, a quem quisesse, que nos contasse onde havia estudado, qual era seu maior feito nesse período e sua maior vergonha.

Bastou o primeiro começar a falar para que acontecesse uma grande disputa entre os demais para, então, contarem suas histórias. O fato é que no início deu-se muita ênfase aos maiores feitos, mas na medida em que as exposições prosseguiam a importância migrou para as maiores vergonhas, pois elas de fato eram engraçadas, elas faziam a diferença.

Nosso bate papo prosseguiu até que perceberam que os maiores feitos eram quase todos iguais aconteciam com histórias similares. Foi na “vergonha” que observaram as efetivas diferenças. Estavam agora, comicamente, disputando qual teria sido a maior “desgraça”.

As medalhas, as notas, os trabalhos, prêmios e tudo aquilo pelo qual foram elogiados, engrandecidos, que massagearam egos, ironicamente em uma classe com menos de quarenta alunos presentes, era lugar comum. Todos contavam coisas parecidas.

Rimos muito naquela noite. Pude falar o quanto eles não eram especiais, mas importantes para a sociedade. A falta que fariam em seus respectivos espaços sociais e o quanto era importante conhecerem seus limites evitando as exposições indevidas com alta probabilidade de gerar frustrações.

O respeito ao outro e a opinião deste, de forma clara, ainda que discorde. Em uma discussão racional voltada à gestão, entre pessoas com nível cultural e intelectual similares é muito difícil que haja antagonismos intransponíveis.

Fomos todos embora pensando no que havíamos conversado. As semanas seguintes foram preciosas, muito discutimos e observei, com alegria, que haviam aprendido algo.

No dia da prova final eu me encontrava sentado observando a classe que trabalhava em silêncio acompanhando no celular um jogo de futebol. Num dado momento o primeiro aluno veio me entregar a prova, solicitei que colocasse sobre a mesa. Ele o fez, mas continuou em pé à minha frente e quando olhei me estendeu a mão. Levantei em um pulo e apertei sua mão ouvindo um agradecimento pelas aulas. Fiquei muito feliz com o gesto dele e mais ainda quando observei que outros alunos levantavam-se um a um e formavam uma fila para me abraçar e agradecer pela dedicação.

Foi um momento inesquecível e, então, percebi que talvez eu estivesse errado…

Eles eram especiais!!!

O que é sucesso?
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